Breve análise despretensiosa sobre relações na era do narcisismo
Segundo algumas recentes reportagens veiculadas em jornais de circulação internacional algumas pessoas enxergam nossa sociedade contemporânea como narcisista. O termo que advém da mitologia grega no mito de Narciso, um jovem cuja beleza encantava a todos, e teve seu fim ao apaixonar-se pela própria imagem refletida na superfície de um lago. Esse mito se relaciona diretamente a termologia usada para descrever pessoas com um culto a própria imagem, muitas vezes se relaciona com o egocentrismo, egoísmo e outras características não-louváveis. Psicologicamente falando o termo narcisismo é bem mais complexo e leva em consideração diversos fatores e traços de personalidade e ações que não possuo condições de falar mais profundamente.
Grande parte dessa visão leva em conta a questão dos meios de comunicações, o mundo conectado e a exposição extrema a qual nos sujeitamos nas redes sociais. Não é segredo que a partir do momento que vivemos em uma sociedade temos o que é chamado de “imagem”, isso é como somos vistos pelas outras pessoas dessa sociedade. Há muito tempo é instituído a nós que a “imagem” que possuímos é importante e devemos buscar melhorá-la, sendo bem-sucedidos em nossa vida, especialmente na questão financeira e profissional. A questão central aqui não é o quão certa ou errada é essa situação, mas sim ressaltar que as redes sociais proporcionaram uma ampliação desse fenômeno já conhecido. De fato, as redes sociais hoje servem para passarmos aos outros participantes aquilo que nós somos, no entanto, o que ocorre verdadeiramente é que passamos para as pessoas aquilo que queremos ser.
Em aplicativos de compartilhamento de fotos veremos sempre momentos felizes, agradáveis e bonitos, como se a vida daquela pessoa se resumisse a uma coisa quase perfeita. Além disso, o número de pessoas que demonstram aprovação a essas publicações são um incentivo tremendo a continuar esse processo. Hoje, de certa forma vivemos várias vidas, a nossa, a de nossos amigos e familiares que acompanhamos quase em tempo real e a de pessoas que não possuem qualquer relação conosco e que mesmo assim admiramos e buscamos saber sempre o que se passa com elas, os famosos, “famosos”. O fato de estarmos sempre sendo bombardeados por momentos bons de outras pessoas faz com que pensemos que de fato, usando o termo popular, a grama do vizinho é mais verde e com o natural desejo de nos sentirmos incluídos acabamos por adotar a postura de também desejar ser visto, porém visto sempre de forma positiva, afinal em um mundo em que todos são felizes e tem vidas perfeitas ninguém deseja ser o diferente do grupo, aquele que tem problemas, que não faz tantas viagens, que não vai a tantos restaurantes e nem está sempre fazendo alguma atividade “popular”.
De fato, passar uma “imagem” é bem mais difícil hoje, pois até as nossas mais simples atividades estão na rede, e temos que mostrar que estamos sendo bem-sucedidos nessas pequenas ações também. No entanto, se o narcisismo é de certa forma um excesso de autoestima o que dizer do problema oposto? A baixa autoestima é um problema grave em nossa sociedade, afeta muitas pessoas, prejudica suas vidas, suas ambições e motivações. Então o narcisismo é realmente um mal ou é um mal necessário? Essa pergunta não será respondida aqui, e provavelmente em nenhum outro lugar por um tempo. Mas como isso influência em nossa vida cotidiana? As relações interpessoais são bons casos para estudar, certamente grande parte dos conflitos existentes é resultado da falta de empatia, não no sentido de ser incapaz de se pôr no lugar do outro, mas sim no sentido de nem ao menos termos a consciência de que o outro tem uma realidade diferente, vida, criação, experiências, opiniões, visão tudo isso é subjetivo, e como tal é uma tarefa muito difícil fugir do impulso natural de ver as coisas apenas pelo “seu lado”. Seria isso então um exemplo do narcisismo? É inegável que em nossa vivência todos temos dificuldade de admitir erros, por exemplo, admitir para os outros, nesse caso, pois admitimos muitas vezes para nós mesmos que estivemos errados.
Dessa forma, seria então uma prova de que somos narcisistas? Ou isso é apenas ter opinião própria? Não seria isso o tão falado amor próprio? É preciso ressaltar que não é errado ter opinião própria, e ter nela convicção, tampouco defendê-la, além disso o amor próprio é desejável, aconselhável e praticamente obrigatório. Porém isso não se configura como narcisismo pelo fato de que: amar e cuidar de si mesmo não está inseparavelmente arraigado com a ideia de que apenas você é importante e que você deve prevalecer em todas as situações. De certa forma podemos inferir que temos uma certa quantidade de narcisismo naturalmente, e que não necessariamente isso é ruim. Acreditar que você deve receber aquilo que lhe é justo não é um defeito, a ideia de que merecemos coisas boas é um dos principais motivadores em nossas batalhas, o ponto principal é não ter a visão de que o isso esteja atrelado a ser superior aos que estão ao redor e que não precisamos ser perfeitos.
Há indícios de que pelo fato de sermos um ser social somos intensamente influenciados pelas relações que temos com outros seres-humanos e que agir de forma a ajudar outras pessoas proporciona a nós uma sensação de extrema satisfação. Ao que tudo indica a natureza é regida, de certa forma, por normas de equilíbrio, balanço é necessário em basicamente todos os fenômenos naturais, não seria diferente em relação ao ser-humano uma vez que este ainda faz parte da natureza, mesmo que tentemos esquecer isso constantemente. Dessa forma, não sei dizer se de fato somos uma sociedade narcisista, se o narcisismo é de todo ruim, se de fato é um “defeito”, porém é possível dizer que não é possível separar tudo em extremos, ao longo da história vemos casos que mostram os problemas que advém dessa postura, a linha que separa o bom do ruim é complexa, tênue e não podemos nem sequer ter certeza que é uma “linha”. Assim, esse texto não busca dizer o que é certo ou errado, não busca trazer verdades, apenas buscou refletir sobre o assunto e talvez motivar mais reflexões sobre.