Estado atual da utilização de pesticidas no Brasil
Os pesticidas são substâncias químicas com ação em processos físicos, químicos ou biológicos contra qualquer agente que possa danificar a produção, armazenamento e beneficiamento de produtos agrícolas, pastagens, etc. Na história da humanidade, produtos com essa finalidade começaram a ser utilizados antes de Cristo, quando eram utilizados o cloreto de sódio (NaCl) e o enxofre. No século XV começaram a ser usados enxofre, arsênio e mercúrio para controle de pragas, principalmente como inseticidas e fungicidas. Com o crescimento populacional e o advento da ciência e da agricultura novos compostos sintéticos foram criados, e a partir daí foi possível produzir grande quantidade de alimentos sem muitas perdas.
Nas décadas de 30 e 40 começaram a surgir os pesticidas sintéticos, mas foi após a II Guerra mundial que essas substâncias sintéticas, proclamados como milagrosas, começaram a ser utilizadas em larga escala. Um dos primeiros pesticidas sintéticos utilizados foi o inseticida DDT (1,1,1-trichloro-2,2-bis(4-chlorophenyl)ethane) que, durante a II Guerra Mundial era aplicado nas pessoas para controlar diversas doenças como a malária, tifo e até mesmo para o controle de piolhos, como pode ser visto na imagem ao lado.
A partir dessa fase se conheceu diversas alterações ambientais associadas a estes compostos. Uma dessas alterações foi a diminuição da população de diferentes espécies selvagens, como a águia américa. Essa águia, símbolo dos EUA, só saiu da lista de espécies ameaças de extinção em 2007, 45 anos depois da proibição do uso do DDT. Durante todas essas décadas não foram somente as águias americanas que sofreram com os resíduos de pesticidas no ambiente. Após o DDT, surgiram diversas pesquisa para descobrir o efeito de substâncias potencialmente tóxicas em organismos não alvos. Foi a partir daí que surgiram os apelos para a proibição dos organoclorados em geral.
Novos compostos foram criados e a utilização em todo o mundo atingiu proporções alarmantes. Atualmente existem aproximadamente mais de 2400 produtos comerciais divididos em 434 ingredientes ativos diferentes.
O ramo da ciência que estuda as consequências de compostos químicos em organismos biológicos é chamado de Ecotoxicologia. A Ecotoxicologia “está relacionada aos efeitos tóxicos das substâncias químicas e dos agentes físicos sobre os organismos vivos, especialmente em populações e comunidades dentro de um ecossistema definido, e inclui os caminhos da transferência desses agentes e sua interação com o ambiente. ” As pesquisas nessa área revelaram o acúmulo de pesticidas na cadeia alimentar, na água e no solo. Além disso, diversas espécies de anfíbios, quando expostos, sofrem para realizar uma metamorfose completa; os peixes contaminados acumulam os metabólitos dos pesticidas e têm dificuldade para se reproduzirem, ou seus órgãos metabólicos ficam tão danificados que eles acabam morrendo. Morcegos expostos a organoclorados, organofosforados e piretroídes têm suas populações diminuídas por doenças que antes eles conseguiam combater. Outra consequência da contaminação de pesticida é a diminuição da população de abelhas. Nos EUA já existem campanhas para aumentar o número de abelhas no país.
E nos humanos? Nos humanos nós já sabemos, mas muitos ainda insistem em dizer que é mentira ou é exagero. Mas pesquisas revelam que as mulheres podem passar para filhos moléculas de pesticidas através do leite, como foi registrado para o endosulfan no interior do Mato grosso do Sul. Sabe-se que muitos destes pesticidas aumentam a probabilidade de desenvolver câncer, são teratogênicos, mutagênicos e causam alterações reprodutivas.
Apesar da demanda crescente por alimentos tornar o uso de pesticidas indispensável, a utilização dessas substâncias está descontrolada, principalmente em nosso país. O Brasil ganha, desde 2008, o título de maior consumidor de pesticidas do mundo. Muitos irão dizer que esse dado é exagero e que isso ocorre devido a alta produção agrícola. Mas será? No Brasil, levantamentos recentes têm revelado que o produtor rural praticamente não conhece os perigos da utilização exagerada de pesticidas. A aplicação ocorre de forma completamente indiscriminada onde a frequência e as doses recomendadas pelo fabricante não são respeitadas. Além disso, dos 50 pesticidas mais vendidos no Brasil, 22 são proibidos na Europa como, por exemplo, o endosulfan, o triclofon, 2,4-D, paraquat, e os herbicidas triazínicos que são cancerígenos.
Atualmente o IBAMA juntamente com a comunidade acadêmica e a indústria estão em busca de um maior controle da utilização de pesticidas através de alterações nas legislações. Porém, ainda estamos longe de atingir um controle e, consequentemente, diminuir o uso de pesticidas no Brasil. Ademais, não existe um programa de monitoramento eficaz do acúmulo de pesticidas em animais não alvos, humanos e muito menos na água. Apenas cinco estados brasileiros já fizeram análises de resíduos de pesticidas na água, e muitos desses dados possuem baixa credibilidade. Somente o estado de São Paulo possui programa de monitoramento para resíduos de pesticidas em águas doces. Ainda temos um longo caminho para percorrer...
O estado atual do uso indiscriminado de pesticidas no Brasil é preocupante. Principalmente porque sabemos que a maioria desses compostos são acumulados na cadeia alimentar causando diversas consequências. As leis deveriam ser mais rígidas, os produtores deveriam ser melhor instruídos, e a indústria menos gananciosa. Além disso, a diminuição do desperdício de alimento também pode contribuir. Diversos fatores podem e precisam caminhar juntos para que seja possível produzir sem nos contaminar, produzir sem contaminar os ecossistemas. Ainda são necessárias novas tecnologias para a criação de novas substâncias que possam permitir isso sem que exista contaminação ambiental e prejuízos para a saúde humana.
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