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O setor agrícola e o desafio da gestão da água no Brasil

O atual contexto de crise hídrica no Brasil, associado às projeções de crescimento das demandas no futuro, evidencia uma condição de escassez iminente e, por conseguinte, a constante necessidade de adoção de políticas de planejamento e gestão das águas. Para se ter uma ideia da problemática, as projeções de crescimento populacional e o aumento da demanda por alimentos são de 40 e de 70%, respectivamente, até 2050 (BRUINSMA, 2009). Se tratando de demanda hídrica, estima-se que, também para 2050, haverá um aumento de 55% na utilização do recurso (WWAP, 2015).


No setor agrícola, a agricultura irrigada tem sido apresentada como uma grande alternativa para o desenvolvimento de algumas regiões, atuando na redução da pobreza e da exclusão social. O agronegócio tem sido responsável por cerca de 33% do PIB, 42% das exportações totais e 37% dos empregos (BRASIL, 2006). No Brasil, o setor de irrigação é responsável pela maior proporção de demanda consultiva consumida, cerca de 75%, sendo seguida pelo abastecimento animal, humano urbano, industrial e humano rural, com 9%, 8%, 6% e 2%, respectivamente.


A área irrigada em 2014 foi estimada em 6,11 milhões de hectares ou 21% do potencial nacional, que corresponde a 29,6 milhões de hectares (ANA, 2015). Esse cenário de maior percentual de uso pelo setor agrícola se repete no contexto mundial, em que a irrigação responde por 70% dos usos, a indústria, por 19%, e o setor municipal, por 11% (FAO, 2011).


Conforme dados apresentados pela ANA (2015), houve também nos últimos anos um incremento da irrigação em todas as regiões hidrográficas, em geral a taxas superiores ao incremento da área total plantada. Essa atividade foi a principal responsável pelo aumento de 29% da retirada total estimada para o País, entre 2006 e 2010. Nesse período, a vazão de retirada para irrigação aumentou de 47% para 54%.


Demanda consuntiva total (estimada e consumida) no Brasil (m³/s).

Fonte: ANA (2015)


Diante desse constante incremento da demanda de água por parte do setor agrícola, é de grande relevância a necessidade de se buscar mecanismos de planejamento e gestão de recursos hídricos no âmbito da agricultura, o que será de grande contribuição ao futuro da segurança hídrica global. Dessa forma, um dos grandes desafios do setor agrícola é o de aliar o incremento da produtividade com o atual contexto da crise hídrica.


Tempos atrás, a solução dos problemas associados à escassez hídrica foi abordada pelo lado da oferta, com a busca constante de aumento da disponibilidade em função do incremento da demanda. Entretanto, tais experiências mostraram que esse enfoque não era embasado em uma ideia de uso racional da água, o que resultou, a partir da década de 90, em uma mudança de concepção, que tem em vista medidas de controle da demanda, com maior eficiência no uso e alocação dos recursos hídricos (ABAD, 2007).


Atualmente, está em vigor no país a Lei Federal nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997, que instituiu a Política Nacional dos Recursos Hídricos (PNRH). A Lei prevê dois instrumentos de gestão: a cobrança e a outorga pelo direito de uso dos recursos hídricos. A cobrança tem como propósitos primordiais dar ao usuário uma indicação do real valor da água, incentivando seu uso racional e a arrecadação de recursos financeiros a serem investidos na preservação de suas bacias hidrográficas (BRASIL, 1997).


Apesar de criada há quase duas décadas, a cobrança ainda necessita de uma série de ajustes que possam, de fato, dar à água, em cada unidade de gestão, um custo representativo de sua real disponibilidade. Ribeiro e Lana (2001) colocam que a definição dos valores a serem cobrados é um dos desafios na adoção desse instrumento de gestão, que ocorre devido a certas particularidades da água, como o fato de ser destinada a diversos fins e ser quali-quantitativamente variável ao longo do espaço e do tempo.


Para complicar ainda mais a questão da gestão da água no Brasil, os anos de 2014 e 2015 caracterizaram-se por uma forte escassez de chuvas que assolou principalmente a a região Sudeste. Segundo a ANA (2015), na região Sudeste, os eventos chuvosos de 2014 foram especialmente anômalos e o ano foi classificado como extremante seco, devido à baixa precipitação total anual observada. Avaliando as precipitações acumuladas no primeiro trimestre estimaram-se em algumas estações tempos de retorno superiores a 100 anos, ou seja, probabilidades de ocorrência inferiores a 1%. Atualmente, a ANA está envolvida na elaboração de seis Planos de Recursos Hídricos em algumas das principais bacias hidrográficas do país. Nesses planos, há uma atuação mais focada em temas estratégicos, como alocação de água, operação de reservatórios, enquadramento e cobrança.


Portanto, a busca de alternativas para atender às demandas por água e prevenir ou minimizar os conflitos requerem uma pactuação entre todos os usuários da água. Dessa forma, entende-se que a questão hídrica no setor agrícola deve ser compreendida de modo mais amplo. O gerenciamento das águas deve ser realizado por meio do planejamento com todos os setores usuários, dos estados e da União, sem dissociar os aspectos de quantidade e qualidade e integrando-se à política ambiental, assegurar assim, à atual e futuras gerações, água em quantidade e qualidade adequadas aos seus múltiplos usos, assim como enfatiza a PNRH.


REFERÊNCIAS

ANA – AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS. Encarte Especial sobre a Crise Hídrica: Informe 2014. Conjuntura dos Recursos Hídricos no Brasil, 2015.

BRASIL: Ministério do Meio Ambiente. Secretaria de Recursos Hídricos: Plano Nacional de Recursos Hídricos. Síntese Executiva - português. - Brasília: MMA, 2006. 135p.

BRUINSMA, J. The Resource Outlook to 2050: by how much do land, water and crop yields need to increase by 2050? Prepared for the FAO Expert Meeting on ‘How to Feed the World in 2050’, Rome, 24 - 26. 2009.

FAO – FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION OF THE UNITED NATIONS. The State of the World's Land and Water Resources for Food and Agriculture: Managing systems at risk. London/Rome, Earthscan/FAO. 2011.

WWAP (United Nations World Water Assessment Programme). 2015. The United NationsWorld Water Development Report 2015: Water for a Sustainable World. Paris, UNESCO.

WWAP (World Water Assessment Programme). 2012. The United Nations World Water Development Report 4: Managing Water under Uncertainty and Risk. Paris, UNESCO.

Micael de Souza Fraga

Sergipano, Engenheiro Ambiental, Mestre e Doutorando em Engenharia Agrícola pela UFV. Forrozeiro nato, sem negar a origem nordestina. Gosta de ouvir música, assistir filmes, viajar e confraternizar com os amigos. Membro do Grupo de Pesquisa em Recursos Hídricos (GPRH/UFV) e futuro professor efetivo da área em alguma instituição de ensino brasileira.

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